BELAS ADORMECIDAS, de Stephen King e Owen King: Um olhar sobre o livro

A versão brasileira do novo livro de Stephen King, escrito em parceria com seu filho Owen King, Belas Adormecidas (Sleeping Beauties), só deve chegar às livrarias brasileiras nos próximos dias. Mas o FICÇÃO TERROR já deu uma olhada no livro (lemos a versão em inglês) e, neste post, trará algumas considerações sobre o livro.

Belas Adormecidas é essencialmente um livro de fantasia, levemente inspirado no clássico popular A Bela Adormecida, com muitos elementos de terror. É o que chamaríamos de uma dark fantasy.

Mas o livro não é apenas uma fantasia despretensiosa. Os King fazem um livro (quase um manifesto, eu diria!) feminista. Então, de certa forma, é também uma crítica social aberta à sociedade machista e patriarcal.

Uma epidemia, que começa na Austrália e rapidamente se espalha por todo o mundo, impede as mulheres que adormecem de despertar novamente. Assim que dormem, elas são envolvidas por uma espécie de casulo.

As mulheres não só não despertam por conta própria como tampouco é aconselhável tentar despertá-las, já que, se os casulos forem violados, elas viram animais irracionais e matam quem estiver em volta. Algumas mulheres lutam por dias contra o sono, mas elas sabem que dormir eventualmente é inevitável.

Enfim, é uma história apocalíptica, subgênero do horror que mexe com o medo das pessoas de se depararem com uma mudança radical e sombria na sociedade. Para as mulheres, o medo jaz no fato de que elas terão um destino incerto, uma vez que caiam no sono. Para os homens, o horror está na possibilidade de viver em um mundo sem mulheres.

Em vez de centrar a história em uma grande cidade, como acontece em muitas histórias apocalípticas (inclusive Celular, do próprio King pai), os King decidiram centrar sua história numa pequena cidade da Virgínia Ocidental, chamada Dooling.

Dooling tem um passado econômico voltado para a exploração de carvão mineral, mas nos dias de hoje serve como base para uma penitenciária feminina. E é nesse lugar que uma estranha mulher, que se identifica como Evie Black, resolve aparecer ao mesmo tempo em que a epidemia começa.

Depois de assassinar dois traficantes de drogas, Evie é presa. Ela é linda, mas também misteriosa. No decorrer do livro, percebemos que ela não é uma simples mulher, mas uma entidade sobrenatural relacionada com o que está acontecendo em todo o mundo.

O nome Evie não é por acaso. Evie é uma das variações do nome de Eva, em inglês. A entidade sobrenatural dos King é uma espécie de antiarquétipo da mulher original. Em Belas Adormecidas, o papel destinado a Eva é diferente daquele relatado pela Bíblia.

Se no livro sagrado dos cristãos e judeus, Eva foi a responsável por todos os pecados e sofrimentos da humanidade, no livro dos King, Evie se coloca como uma intercessora pela redenção da humanidade. Sua ideia é resetar a humanidade, criando uma sociedade sem violência e guerras.


Não está claro quem é Evie e a quem ela responde. Tampouco está claro de quem é o plano de criar essa nova sociedade utópica (a ideia de Deus não está tão clara no livro).

Não vou dizer aqui qual foi a saída para se criar essa sociedade utópica, porque parte da graça do livro está no fato de que não se sabe o que acontece com as mulheres quando elas caem no sono. O leitor só vai começar a entender esse mistério depois de várias páginas.

O manifesto feminista dos King se baseia numa premissa de que todo o mal e violência no mundo são provocadas por homens e não por mulheres. Trata-se de uma crítica à premissa bíblica de que Adão foi apenas levado ao pecado por Eva. Para os King, Adão e seus descendentes varões são os grandes pecadores.

Isso está bem claro no livro, não só pela ideia de acabar com a sociedade patriarcal, mas também pelos vários abusos cometidos por homens contra mulheres relatados no livro. A ideia aparece no marido agressor; no pai descontrolado que assusta a mulher e a filha; no carcereiro que se aproveita de sua posição superior para abusar das mulheres detentas; e nos homens que decidem resolver suas diferenças com o uso de armas de fogo.

Apesar de muito longa (o livro em inglês tem 700 páginas), a história é interessante e te faz querer descobrir o desfecho. Está certo que o desfecho é um pouco frustrante, principalmente depois de todo o mistério que se constrói em torno das mulheres adormecidas, mas mesmo assim o livro é muito bom.

Em relação ao horror, não é um livro daqueles que vão te deixar com medo de dormir. O terror está presente, sim. Mas não na forma de criaturas monstruosas (o homem, aliás, é o grande monstro da história).

O terror se revela principalmente através do cenário apocalíptico, mas também dos ataques de fúria das mulheres que despertam temporariamente quando têm seus casulos violados (algo que se assemelha aos ataques de zumbis), do gore eventual (das vísceras que são descritas nas mortes) e também da forma como alguns homens decidem lidar com a epidemia (incinerando vivas as mulheres dentro de seus casulos, acreditando que se trata de um vírus transmitido pelo ar).

Owen é um coautor, mas a história tem o estilo de Stephen em todo o livro. Não sei dizer se Owen tem um estilo semelhante ao do pai, se ele tentou se aproximar do estilo do pai nesse livro ou se os editores optaram por deixar o texto com o estilo de Stephen.


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