ULTRA CARNEM, de Cesar Bravo: Um olhar sobre o livro

Eu demorei bastante para me render a Ultra Carnem, primeiro livro solo impresso de Cesar Bravo. Mas, antes tarde do que nunca. Quando finalmente pintou uma promoção na Amazon, aproveitei para abocanhar meu pedaço do filé.

O livro é um desdobramento de sua coletânea de contos Além da Carne, lançada em 2013, apenas em formato e-book. Publicado pela DarkSide no final de 2016, Ultra Carnem é o que alguns chamam de romance fix-up, isto é, um livro que pode ser lido tanto como uma coletânea de contos quanto como um romance, porque todas as pequenas histórias se conectam, formando uma grande história.

Creio que a ideia do autor ou da editora foi fazer o livro se parecer mais com um romance do que com uma coletânea. Os contos são apresentados como se fossem capítulos (por exemplo, Parte I - O Abandono), o quarto e último conto retoma a história dos quatro anteriores e há, inclusive, um epílogo.

Em suma, Ultra Carnem expande Além da Carne, revisitando histórias anteriores (a de Marcos Cantão e a de Lucrécia, por exemplo) e inserindo novos trechos (como as histórias de Wladimir Lester no orfanato e da busca de Nôa pela fama).

A história de bullying sofrido por Serginho, por exemplo, que aparece em Além da Carne, não está em Ultra Carnem, mas é citada no livro impresso.



As quatro histórias são, na realidade, quatro momentos de uma mesma história, cujos principais elementos são uma tinta e uma sensual estátua de cigana (a Ciganinha) capazes de alçar as pessoas à fama, mas também de destruí-las.

Na primeira delas, acompanhamos o corresponsável por essa tinta mágica, o cigano Wladimir Lester, uma criança com grande talento para a pintura, que é rejeitada por sua tribo e acolhida por um orfanato católico, no século XIX. Com a tinta, ela consegue criar magníficas (mas assustadoras) pinturas. Ele também molda a tal Ciganinha.

Em seguida, pulamos alguns anos e chegamos a Nôa, um pintor frustrado que fica sabendo da lenda de Lester e sua tinta mágica e inicia uma busca obsessiva pelo produto.

Na terceira parte, acompanhamos Marcos Cantão, um derrotado técnico de informática com um filho deficiente e uma mulher que lhe causa repulsa. Ao se deparar com a Ciganinha, ele faz um pedido e sua vida muda completamente.

Na quarta e última parte, acompanhamos a história da sofrida garçonete Lucrécia, que presencia a conversa de três demônios e resolve fazer um pacto com o chefe deles. Essa é a história que retoma as três anteriores e dá uma coesão maior ao livro. Há ainda um epílogo que podia tranquilamente fazer parte da quarta história porque é apenas uma continuação dela.

Como Ultra Carnem já foi resenhado centenas de vezes, é difícil encontrar algo diferente a dizer, então é provável que eu esteja apenas falando mais do mesmo. Mas é importante ressaltar que Bravo conseguiu fazer algo difícil na literatura: criar um universo original, sobre o qual várias histórias e infinitos livros podem ser escritos.

Algo como Clive Barker conseguiu com Hellraiser, que começou apenas com uma novela (conto mais longo) chamado The Hellbound Heart, publicada em uma antologia coletiva. A novela se transformou em livro solo, já intitulado Hellraiser, teve sequência (Evangelho de Sangue), ganhou um sem-número de adaptações cinematográficas e virou franquia de HQs.

Cesar Bravo se assemelha a Barker ao abordar o inferno, os demônios que são invocados, os prazeres da carne e o preço que se paga por se aliar ao submundo, além de lançar mão de um terror cruento (com descrições para lá de repugnantes).

O universo criado por Bravo é tão bom quanto o de Barker e nos permite vislumbrar vários livros derivados dele, assim como um filme.

Mas a grande característica de Bravo é o humor imbricado com o horror. É possível rir ao mesmo tempo em que você sente a repulsa e angústia provocadas pelas histórias de terror.


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