Entrevista com Renné França, diretor e roteirista de TERRA E LUZ

Terra e Luz é um filme de terror que utiliza o cerrado goiano como pano de fundo de um mundo pós-apocalíptico habitado por vampiros e alguns sobreviventes humanos precisam lutar para sobreviver a um mundo novo e a seus predadores.

Vencedor da mostra ibero-americana do Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, o longa-metragem é o filme de estreia de Renné França, professor de cinema do Instituto Federal de Goiás. Em entrevista ao FICÇÃO TERROR, o diretor e roteirista conta como foi a produção de Terra e Luz.



Veja a entrevista:

FT: Conte-nos um pouco sobre sua relação com o cinema. Você já era um professor de cinema antes de se tornar um cineasta.
RF: Minha relação com o cinema é de um cinéfilo que se formou, principalmente, vendo muitos filmes, dos mais variados tipos. Segui carreira acadêmica em Comunicação Social e fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado, sempre trabalhando com a questão da imagem e seus sentidos. Fui crítico de cinema e foi a partir dessa bagagem teórica que me tornei professor de História e Teoria do Cinema no Bacharelado em Cinema e Audiovisual do Instituto Federal de Goiás. Apesar de fazer esta transição da teoria para a prática com o Terra e Luz, continuo lecionando as disciplinas teóricas e envolvido com as atividades de crítica cinematográfica. 

FT: Como surgiu a ideia de escrever Terra e Luz e de rodar o filme? 
RF: A ideia surgiu de uma paisagem no cerrado goiano. A terra seca, a ideia de um fim iminente – o cerrado precisa “morrer” pra renascer todo ano – mais uma série de referências que vão de Mad Max a The Walking Dead fizeram surgir esse mundo pós-apocalíptico. Quando contei a ideia para um colega professor, o diretor de fotografia do filme, Carlos Cipriano, ele prontamente disse que deveríamos rodar o filme, sem financiamento, apenas de maneira colaborativa. Conversamos com outros professores, alguns alunos se interessaram, corri para escrever o roteiro e fizemos.

FT: Terra e Luz foi seu primeiro longa e você chegou a duvidar que fosse capaz de realizá-lo. Conta um pouco mais sobre essa sua dúvida e sobre os desafios que você encontrou na produção. 
RF: Eu nunca achei que iria realizar nenhum filme na minha vida. Era um sonho muito distante pra mim. Quando o Terra e Luz começou a ser filmado, parecia algo irreal, eu realmente às vezes duvidava se aquilo estava mesmo acontecendo comigo. Mas, depois que se iniciaram as filmagens, as coisas fluíram muito bem, o filme se tornou uma realidade de maneira muito rápida. Tive a ideia entre abril e maio de 2015, escrevi o roteiro em julho e estávamos filmando em setembro do mesmo ano. Inicialmente tudo era um desafio por ser um diretor de primeira viagem, mas tive uma equipe fantástica e paciente, que me permitiu aprender a dirigir enquanto dirigia. 



FT: Qual foi a parte mais difícil do longa? 
RF: Creio que o mais difícil foi encontrar um equilíbrio entre o que eu queria exatamente de acordo com o pensado no roteiro e o que a realidade me entregava. Como filmamos tudo em locação tinha que estar muito aberto a alguns improvisos, e a perceber que o filme no final das contas é um encontro de muitas coisas. O cenário, os atores, a fotografia, o som, a falta de dinheiro... enfim, tudo se encontra e é preciso saber aproveitar o que lhe está sendo oferecido e ao mesmo tempo se manter fiel à sua proposta original. Este foi um grande aprendizado e ao mesmo tempo um desafio: aprender a abrir mão de algumas coisas para ganhar muitas outras em troca. 

FT: Em outras entrevistas, você conta que escolheu o terror porque é um gênero mais fácil de ser realizado. Muitos cineastas dizem isso. Por que o horror é um gênero mais fácil? 
RF: Não o considero mais fácil, mas com certeza um dos mais bem estabelecidos. Assim como o western e o noir, o terror se construiu como gênero ao longo de tantos anos que acabou dando origem a certas “regras” próprias. Estas regras, que alguns podem compreender também como clichês, são de tal forma reconhecíveis que, no meu caso particular, podiam funcionar como trampolim para a história que eu gostaria de contar. Elementos como a escuridão e usar o som para sugerir algo ao invés de mostrar eram fundamentais para o filme que eu queria fazer – e ainda mais sem dinheiro. Não se trata de ser mais fácil, mas de ser rico em seus elementos narrativos ao ponto de permitir que seus realizadores tenham à disposição uma série de ferramentas muito bem estabelecidas, com alguns resultados já comprovados. E acho sempre interessante como estas ferramentas são constantemente reinventadas, com novos filmes partindo delas para criar outras que, uma vez funcionais, serão copiadas, estabelecidas e depois reinventadas também, em uma evolução constante. 

FT: Você é um fã do gênero? Quem são suas principais referências do terror no cinema e na literatura? 
RF: Não sou especialmente um fã do gênero. A não ser na medida em que sou fã de todos os gêneros. Gosto de todo tipo de filme, mas não dou preferência a um ou outro devido ao gênero. Minhas referências do terror na literatura são Bram Stoker, Lovecraft, Robert Chambers, Richard Matheson, Alan Moore, Edgar Allan Poe. No cinema são A Noite dos Mortos Vivos, O Iluminado, O Exorcista, O Gabinete do Dr. Caligari, O Bebê de Rosemary, Psicose, O Massacre da Serra Elétrica, Alien, À Meia-Noite Levarei sua Alma

FT: Gostou da experiência no horror? Pretende realizar mais um filme do gênero? 
RF: Gostei muito da experiência. O terror, assim como a ficção científica, possui um apelo alegórico muito grande para tratar de questões sociais, políticas e econômicas atuais. Então o próprio processo de construção de uma narrativa no gênero se torna fascinante graças às diferentes camadas de sentidos que se pode ir agregando à obra. Não tenho nada em mente no momento em relação ao terror no sentido clássico do gênero. Mas os elementos de horror e angústia deverão estar sim em um possível próximo filme, uma vez que são inerentes ao ser humano e podem ser articulados, inclusive, com outros gêneros.




FT: O filme participou do Fantaspoa, onde conquistou o prêmio de melhor filme ibero-americano, e já rodou por alguns festivais nacionais. Já tem algum festival estrangeiro à vista? 
RF: Na verdade o filme estreou em janeiro na Mostra de Tiradentes. E desde então já passou, além de Minas, em São Paulo, Goiás, Porto Alegre e ganhou dois prêmios, indo muito além do que eu poderia imaginar quando tive a ideia lá em 2015. Há pelo menos dois festivais internacionais em que ele deverá passar neste segundo semestre, mas ainda não posso divulgar antes de sair o comunicado oficial do festival. Vai ser interessante ver como o filme funciona com outros públicos, outras culturas. 

FT: Alguma previsão de lançá-lo comercialmente? 
RF: Por enquanto não. Tivemos aproximações de distribuidoras, tanto nacionais quanto internacionais, mas nada certo.

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