Entrevista com Alexandre Callari, autor de APOCALIPSE ZUMBI

Alexandre Callari ensina. Ele pratica artes marciais. Ele apresenta programa no YouTube. Ele traduz livros. Ele escreve roteiros. Ele dá palestras. Ele coleciona quadrinhos. Ele edita quadrinhos. Ele edita livros. E, é claro, ele escreve livros.

Artista de muitas facetas, Callari é autor da série Apocalipse Zumbi, um dos primeiros livros voltados para esse subgênero do terror no país, publicado em 2011. Em entrevista ao FICÇÃO TERROR, ele revela que o último livro da trilogia está pronto desde 2015 e que deve ser publicado até julho deste ano.

Callari também fala de outros trabalhos em andamento e de suas experiências como roteirista, editor da DC Comics e profissional multimídia. “Sempre que me sinto cansado, gosto de lembrar que só estamos de passagem no mundo e que firmei como uma missão pessoal deixar algum tipo de legado, para que meu nome seja lembrado quando não estiver mais aqui”.



Veja a entrevista:

FT: Você lançou dois livros na série Apocalipse Zumbi. Tem um terceiro livro da série a caminho? Ou a história já foi concluída?
AC: Apocalipse Zumbi foi pensado como uma trilogia desde o início. Desde que propus o projeto, antes mesmo de o primeiro estar escrito, concebi uma trilogia, numa época em que trilogias ainda não tinham virado lugar-comum. Quando escrevi o primeiro Apocalipse Zumbi, a série The Walking Dead ainda não tinha sido lançada, só os quadrinhos. E essa mania que existe hoje era bastante incipiente. O primeiro livro sofreu com preconceito de lojistas, que ainda não compreendiam o potencial que o terror poderia ter fora do eixo Stephen King. Ainda mais terror nacional. Por causa disso, o primeiro livro sofreu algumas cessões – mais do que eu gostaria. Já o segundo capitalizou em cima do sucesso do primeiro e é exatamente o livro que eu queria escrever. Cru, violento e visceral – sem concessões. Mas, aí, a editora começou a sofrer dificuldades por conta da instabilidade do mercado. Eu entreguei o texto do terceiro livro, que conclui a série, em julho de 2015, mas a obra foi consistentemente adiada, para meu profundo desgosto. Me indispus de várias maneiras com a editora, mas parece que agora finalmente vai. O livro que conclui a série está previsto para junho/julho.

FT: E fora dessa série, você tem algum outro livro de terror em mente para escrever? Seria relacionado a zumbis ou deverá explorar outro subgênero?
AC: Eu escrevi minha versão de terror para a história da Branca de Neve, publicada em Branca de Neve – Os Contos Clássicos e, desde então, me recolhi um pouco deste universo. Em parte, por decepção pelo que aconteceu com o Apocalipse 3. Em parte, por estar dedicado a outros aspectos da minha vida. Mas, nesse meio tempo, encontrei espaço para escrever muitas coisas: uma série de contos sobre um aventureiro, um livro de vampiros, a trajetória de um déspota superpoderoso, um drama semiautobiográfico na linha de Rocky – um Lutador, e também aquele que considero meu melhor trabalho até o momento, um livro baseado na obra de H. P. Lovecraft. Não sei de que forma essas coisas verão a luz do dia (se é que verão), mas estou pensando a respeito.



FT: Você também assinou um contrato com a DarkSide e, inclusive, já traduziu livros para a editora. Tem alguma previsão de publicação de obra própria com eles? Pode adiantar algo?
AC: Não há contrato assinado, apenas um compromisso verbal de ambas as partes e uma grande vontade de colaborarmos. Já traduzi vários livros para a Darkside. Tenho um profundo carinho pelos donos da editora e uma amizade sincera, além de termos firmado uma parceria maravilhosa com o Pipoca & Nanquim. Há conversa sobre lançar um livro com eles desde 2015, que sinceramente eu espero que se concretize, mas ainda nada definido.

FT: Você é professor de português e inglês, com livros didáticos e ensaios publicados, e também um fã e editor de quadrinhos. Daí já dá para perceber como você é um autor eclético. Mas como foi acabar escrevendo dois livros de terror?
AC: Meus livros didáticos foram uma consequência direta do período em que estava na faculdade. Por um período, alimentei a possibilidade de uma vida acadêmica – e ser um autor publicado faria bastante diferença. Ao longo da trajetória, duas coisas ocorreram: uma profunda decepção com o mundo acadêmico e o desejo de ser uma pessoa mais autêntica no mundo, mesmo que isso não desse dinheiro. Quando fui professor, cheguei a ganhar muito dinheiro, mas não era feliz. No final das contas, larguei tudo e fui dar aulas de artes marciais, atividade que faço há 27 anos, tendo acumulado duas faixas preta e indo para a terceira. Então, tornar-me instrutor de artes marciais foi uma forma de virar o jogo. Percebi aos poucos que dinheiro pode ser uma armadilha; você começa a ganhá-lo e ele te seduz. Como professor de artes marciais, eu estava sempre sem grana, mas era mais feliz do que na vida acadêmica, dando aulas de português e inglês, ou sei lá mais o quê. E, quando você está sem dinheiro, mas feliz, consegue ser inventivo. Por sorte, nessa época, conheci o Daniel e o Bruno, do Pipoca & Nanquim, e comecei a refletir que poderia fazer aquilo que gosto e também ganhar meu sustento. Várias coisas nasceram dessa decisão, incluindo o Apocalipse Zumbi.

FT: O primeiro livro da série Apocalipse Zumbi, Os Primeiros Anos, é uma obra interessante, porque é um livro multimídia, com trilha sonora e interface com a internet. Pode nos contar um pouco sobre isso e se você pretende voltar a fazer uma experiência semelhante?
AC: Foi algo muito bacana de fazer por alguns motivos. Em primeiro lugar, a editora pagou o book trailer, que foi quase um curta-metragem. Eu escrevi o roteiro e dirigi – uma experiência inesquecível, por mais precário que tudo tenha sido. Lembrar aquela semana se filmagens é uma sensação impagável. Além disso, escrevi as letras e quase todas as músicas do CD que acompanha a trilha sonora do primeiro livro (a trilha do segundo foi inteira composta pelo Gabriel, eu só fiz as letras). Isso foi importante para mim porque tive a chance de exorcizar todos os demônios que tinha por causa do meu fracasso com o Delpht – uma banda de heavy metal que tive por décadas, e que gozou de grande importância no mercado underground no início dos anos 2000. Além de ter lançado vários CDs com o Delpht, eu fui o produtor da Ópera Rock William Shakespeare’s Hamlet, provavelmente o maior projeto de heavy metal já feito no país. Vi tudo crescer a proporções enormes, apenas para naufragar e ficar à deriva. Assim, criar aquele CD para Os Primeiros Anos foi realmente uma forma de obter um fechamento. Mas, em termos práticos, todo o caráter multimídia do livro não serviu para nada. Digo, não houve uma venda a mais sequer por causa do book trailer, por causa do CD, das ilustrações no livro ou dos contos exclusivos que escrevi para o site. Nesse sentido, foi muito trabalho à toa e, por isso, não repetiria a experiência. Não da forma como ela foi feita.



FT: Você também teve recentemente uma experiência como roteirista, escrevendo um longa com o Rodrigo Aragão, Mata Negra, que terminou de ser rodado recentemente. Como foi esse trabalho?
AC: Gosto muito do Rodrigo. O primeiro trabalho que fizemos juntos foi o curta-metragem Revelações de um Cineasta Canibal, cujo resultado adorei. Quanto ao Mata Negra, eu escrevi apenas o primeiro rascunho. Sei que o Rodrigo fez mais seis ou sete revisões do roteiro e, honestamente, não faço ideia do quanto que escrevi ainda continua presente. Infelizmente, ele não me chamou para esses processos de recriação, talvez pela distância, talvez por não ter ficado satisfeito, talvez por querer uma abordagem diferente… Eu não saberia dizer. Mas ele é um cineasta que admiro e com quem gostaria muito de trabalhar de novo, mas de uma forma mais próxima e orgânica – não à distância como fizemos. Depois do Rodrigo, eu escrevi uma série para a Rede Globo (que nunca foi filmada, embora eu tenha ganhado uma boa grana para roteirizá-la) e o roteiro de dois longas – um sobre MMA e outro uma antologia com três histórias de terror. Mas não dei a atenção que esses roteiros merecem e, por hora, ambos estão engavetados.

FT: Você também é editor da Panini, que representa a DC Comics no Brasil. Como é, para um fã e colecionador, trabalhar com essa lenda dos quadrinhos?
AC: Um sonho. Eu sou o editor do Batman. Sou o editor da Liga da Justiça. Do Arqueiro Verde. Personagens que cresci lendo, que ajudaram a moldar meu caráter e moral. Eu traduzo quadrinhos para a Marvel. Fiz a Coleção Histórica Marvel: Wolverine, traduzindo todas aquelas aventuras que lia quando era adolescente. É difícil explicar a sensação, mas garanto que ela é boa.

FT: Além de autor, tradutor e editor, você também é professor, palestrante, apresentador de um canal no YouTube (Pipoca e Nanquim) e acabou de lançar uma editora. Você dorme em alguma hora do dia? Como você consegue aliar tudo isso?
AC: Além disso sou instrutor e praticante de artes marciais (treino uma média de três horas por dia) e assisto a um filme praticamente toda santa noite (quem me segue no face pode atestar). Acho que o segredo é que eu gerencio bem meu tempo. Não durmo muito, é verdade; uma média de cinco a seis horas por noite. Mas várias pessoas dormem pouco e são completamente atrapalhadas com seus afazeres. Eu sou uma pessoa objetiva, não perco tempo com pormenores. E tenho a vantagem de ser extremamente veloz na minha produção – tanto traduzindo, quanto escrevendo. Sempre que me sinto cansado, gosto de lembrar que só estamos de passagem no mundo e que firmei como uma missão pessoal deixar algum tipo de legado, para que meu nome seja lembrado quando não estiver mais aqui. Não é narcisismo, entenda, mas uma forma de contribuir. Uma forma de deixar algo maior do que eu mesmo. Então, se estou cansado, digo em voz alta: “Descanse quando morrer, cara!”. E sigo em frente.

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