ESFINGE, de Coelho Neto: Resenha de livro

Esfinge, de Coelho Neto, é um dos raríssimos exemplares do terror na literatura brasileira clássica pré-segunda metade do Século XX. Lançado originalmente em 1908, o livro é classificado como um romance gótico.

A premissa básica é muito parecida com a de Frankenstein, trata-se de um ser humano que é trazido de volta à vida com a ajuda de um "cientista" e tem uma crise existencial. Se no caso do romance de Mary Shelley, o corpo da criatura é montado a partir das partes dos corpos de vários cadáveres, no livro de Coelho Neto, a criatura é a junção de corpo de um homem com a cabeça de uma mulher.

Então, no caso de Esfinge, o que mais angustia a criatura, James Marian, é a indefinição de sua sexualidade, já que ele é um ser híbrido, transexual.

A história se passa em uma pensão na Rua Paissandu, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, que é comandada por uma senhora inglesa, a senhora Barkley. Ali vivem várias pessoas, que se sentem intrigadas com um novo hóspede, o também inglês James Marian, que tem um corpo de Apolo e um rosto feminino.

Marian não se relaciona muito com os outros moradores da Pensão Barkley. Mas um dos hóspedes, o narrador, começa a se aproximar de Marian. Depois que uma relação de confiança é estabelecida entre os dois, Marian pede ao narrador que traduza uma novela sua para o português.

A novela, o narrador descobre, conta a história da vida do enigmático inglês. E é ao ler as páginas com garranchos por vezes indecifráveis que o narrador descobre que Marian, na verdade, foi fruto de uma experiência do cientista místico oriental Arhat.


Arhat, um correspondente oriental do cientista Victor Frankenstein, presencia um acidente em que dois irmãos são mortos. O menino está com o corpo intacto, mas sua cabeça está esmigalhada. Já com a irmã, aconteceu o inverso. Ele então decide usar seus conhecimentos da "magna ciência" para juntar os dois corpos e trazê-los de volta à vida.

A linguagem é bem rebuscada, o que é de se esperar de um livro do início do século passado. Ainda mais por se tratar de um representante do movimento simbolista no Brasil.

A história, no entanto, é muito envolvente. Coelho Neto, considerado um dos mais prolíficos escritores brasileiros, faz um bom uso de descrições lúgubres em seu livro, como nos trechos que descrevem a morte e o post-mortem de uma das moradores da pensão por tuberculose.

Outros pontos altos do livro estão nas cenas em que o narrador se depara com aparições sobrenaturais. Coelho Neto estava bastante influenciado pelas doutrinas espíritas e sua escrita reflete isso.

Mas o que aparece para o narrador não é um simples fantasma, mas a aparição do espírito de uma pessoa que ainda está viva. Isso confunde um pouco o leitor, mas Coelho Neto tenta explicar que corpo e mente não são uma coisa só, então é possível desvincular a alma do corpo mesmo em vida.

Em uma das aparições, o narrador vê James Marian em uma versão completamente feminina. Será que James Marian está experimentando uma experiência extra-corpórea? Ou será que isso significa que, no embate das almas masculina e feminina, o ego masculino se sobressaiu, matando a alma feminina?

Não dá para saber, porque Coelho Neto não busca explicar isso para o leitor.

Enfim, além de ser uma leitura bem agradável, o livro tem um valor muito importante para a literatura de terror brasileira. Infelizmente, ele não está mais no catálogo de nenhuma editora, mas é possível encontrá-lo em ebook e em sebos.