Entrevista com Raphael Montes, autor de O VILAREJO e DIAS PERFEITOS

Raphael Montes é uma das grandes revelações da literatura brasileira. Advogado formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi finalista do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional, de 2012, e do Prêmio São Paulo de Literatura de 2013.

Seus dois primeiros livros, Suicidas (Benvirá, 2012) e Dias Perfeitos (Companhia das Letras, 2014), o colocaram como um dos principais nomes do romance policial do país e lhe renderam elogios do romancista best seller americano Scott Turow.

Em agosto deste ano, Montes mostrou sua versatilidade ao se arriscar também no gênero do terror, com O Vilarejo (Suma de Letras), um livro que é meio romance meio coletânea de contos e que reúne sete histórias sobre um vilarejo medieval europeu assolado por demônios. Em cada história, um demônio se revela através de um dos sete pecados capitais.

Mas sua incursão no terror não parou por aí. Raphael Montes também integrou a equipe de criação do seriado de terror Supermax, que estreará em 2016 na TV Globo. A série se passa em um presídio de segurança máxima localizado no meio da Amazônia. Ali, 12 pessoas com diferentes histórias pessoais se enfrentam em um reality show, no estilo de Survivor e Big Brother.

Mas elas não estão sozinhas. Coisas assustadoras começam a acontecer naquele local confinado. É uma premissa que lembra muito o filme Reality da Morte (The Task, de 2011).

Montes conta que curtiu a experiência de trabalhar com feras, como Marçal Aquino (escritor e roteirista, conhecido por vários trabalhos, como O Invasor, livro e filme de 2002) e Bráulio Mantovani (roteirista de Cidade de Deus, de 2002, e Tropa de Elite, de 2007), e que está preparando um novo livro de terror, para publicar em breve.


Divulgação/Raphael Montes

Leia a entrevista: 

FT: Você começou sua carreira bem cedo, tendo publicado seu livro com pouco mais de 20 anos de idade. Como foi esse processo até a publicação de sua primeira obra, Suicidas, pelo selo Benvirá, que pertence a um grande grupo editorial/livreiro do país (Saraiva)?
RM: Desde os meus 13 anos, eu queria ser escritor. Gostava especialmente de literatura policial, de suspense, de mistério e ficava incomodado de não haver no Brasil uma tradição de literatura de gênero, seja policial ou de terror. Então, eu comecei a me dedicar a estudar esses gêneros e a pensar que eu poderia fazer literatura de suspense, de terror, de mistério no Brasil. Escrevi o primeiro livro um pouco na inocência, sem conhecer o mercado e as editoras. Quando eu terminei Suicidas, mandei para as editoras e fiquei esperando uma resposta. Como eu lia muito romance policial, sabia que tinha feito um livro que era diferente da grande maioria - eu esperava que isso fosse bom. Ainda que eu soubesse que era uma história forte demais. As grandes editoras não me responderam. Então, eu mandei o livro para um prêmio literário da Saraiva, o Prêmio Benvirá de Literatura. Curiosamente, o que chamou a atenção dos jurados foi justamente o fato de Suicidas ser um livro grande e “pesado”, escrito por um cara de 18 anos na época. Então, a editora [Saraiva] me ligou querendo publicar o livro.

FT: Depois da publicação de Suicidas, imagino que tenha se tornado mais fácil para você se firmar no mercado. Como foi a recepção desse primeiro livro?
RM: O livro saiu pela Saraiva, então teve uma boa distribuição. Ele estava nas livrarias, mas não teve muito marketing, não. Não teve envio do livro [para blogs e imprensa]. Então, todo trabalho [de divulgação] na verdade foi feito por mim. Busquei leitores, corri atrás. Felizmente, tive a oportunidade de participar de um evento chamado Pauliceia Literária, da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), que tem como foco a literatura policial. Nessa época então, mais de um ano depois do lançamento do livro, saíram algumas matérias sobre mim no jornal O Estado de S. Paulo e no Correio Braziliense, os dois primeiros periódicos que cobriram meu trabalho. A partir dali, a coisa começou a acontecer, porque a Companhia das Letras me procurou, perguntando se eu tinha um segundo livro. Eu tinha o Dias Perfeitos e aí tudo aconteceu com mais facilidade.




FT: E, neste ano, você lançou O Vilarejo, um livro de terror depois de dois romances policiais publicados. Você deve publicar, em breve, um novo livro policial. Esse livro de terror foi um ponto fora da curva ou você pretende continuar incursionando nesse gênero?
RM: Eu não era um leitor de terror nem tampouco um espectador de filmes de terror. Mas, com a publicação de Suicidas e de Dias Perfeitos, muitas pessoas que entendem de terror vieram me falar que eu escrevia terror. Para mim, isso foi muito curioso, porque eu consumia muita literatura de suspense, mas não de terror. O período entre Suicidas e Dias Perfeitos foi um momento em que eu comecei a entrar no universo do terror e ler [H.P.] Lovecraft, Edgar Allan Poe, Stephen King e Neil Gaiman. Eu comecei a ler essa galera. Como eu não tinha ideia do romance seguinte, que viria a ser Dias Perfeitos, eu comecei a escrever histórias avulsas sem muita pretensão. Na verdade, eu escrevi a primeira história, depois escrevi a segunda. Só então escrevi o resto [as outras cinco histórias que compõem o romance fix-up O Vilarejo], pensando em criar uma unidade. As duas primeiras histórias eram contos avulsos. Não foi um livro pensado, o que acabou sendo muito bom, porque eu não tive a menor pressa de publicá-lo. Mandei para um amigo que fazia ilustrações. Guardei numa gaveta. Passou um ano e depois eu voltei ao livro, fiz alterações no texto. Atualmente, minha ideia é publicar um livro de suspense pela Companhia das Letras e escrever um novo livro de terror, pela Suma de Letras [selo da Editora Objetiva, que publica autores de dark fiction, como Stephen King].

FT: A ideia é se manter transitando entre esses dois gêneros (policial e terror)? 
RM: Eu não vou pensar muito em gênero. Vou fazer os livros e depois ver em qual dos dois selos eles cabem melhor.



FT: E como foi essa transição da literatura para a televisão? Como você começou a trabalhar com roteiros de séries de TV?
RM: Fazer roteiros sempre pareceu natural para mim, quando eu pensava em ter uma carreira de escritor, de contador de histórias. Os primeiros convites que surgiram para eu escrever para a televisão foram para [séries de] terror. O Dennison Ramalho [diretor do J is for Jesus, curta metragem que apareceu na coletânea O ABC da Morte 2, de 2014, e co-roteirista, com Zé do Caixão, de Encarnação do Demônio, de 2008], que é um cara incrível, tinha um projeto na Rede Globo, chamado Morto Não Fala. Havia duas pessoas na equipe e faltava uma terceira. Ele decidiu me chamar. Foi meu primeiro trabalho na Rede Globo. Dali, me chamaram para fazer uma série no GNT, Espinosa. Depois, fui indicado para fazer outra série de terror na Globo, Supermax, que teve recentemente o trailer divulgado. Vale a pena assistir.

FT: Como foi esse trabalho na equipe de roteiristas de Supermax?
RM: O trabalho em equipe realizado foi inédito até para a própria TV Globo. Foi feita uma sala de criação, coordenada pelos chefes da equipe, que eram o Marçal Aquino, o Fernando Bonassi [co-roteirista de Carandiru, de 2003] e o Alvarenga Jr. [diretor de inúmeras séries da TV Globo]. Era uma equipe grande, que tinha pessoas com diferentes níveis de experiência e em momentos diferentes da carreira. Tinha o Bráulio Mantovani, que é um cara experiente, que fez obras audiovisuais incríveis, o Dennison Ramalho, que vem do terror especificamente, o Raphael Draccon [autor da trilogia Dragões de Éter, publicada entre 2007 e 2010] que veio da fantasia, eu, que vinha do policial, e a Juliana Rojas [diretora e roteirista de Trabalhar Cansa, de 2011], que também vinha do terror, mas um terror mais introspectivo. Era uma equipe diversa. Foi uma troca muito interessante. Às vezes, eu tinha a noção de que o mais certo para a série era aquilo, aí vinha uma pessoa que tinha uma referência distinta de gênero [literário] e trazia uma proposta totalmente inusitada, que não me ocorria. Foi muito interessante, no final das contas.

FT: Para encerrar, você disse que está trabalhando em dois romances, um de suspense a ser publicado pela Companhia das Letras, e outro de terror, que deverá sair pela Suma. Por mais que você diga que não pensa muito no gênero literário, quando está escrevendo, como será essa história de terror? Já tem uma ideia concebida?RM: Não é que eu não pense no gênero. Seria uma hipocrisia dizer que eu não penso no gênero. Mas eu não me preocupo em ver se aquela história atende aos requisitos do gênero. Eu tenho a ideia do que parecer ser uma história que tem elementos de terror. Agora, se isso vai ao encontro do que é o terror contemporâneo ou se vai contra o terror contemporâneo, eu te confesso que não penso muito nisso. Enfim... Mas é uma história com elementos sobrenaturais. Acho que já tenho, sim, ideias para o próximo livro de terror. Espero que ele saia em 2016 ou 2017.