Autor de mais de 1.500 livros e roteirista de filmes de José Mojica Marins, R.F. Lucchetti diz que Zé do Caixão é "página virada" em sua vida desde a década de 70
Poucos escritores no Brasil podem se gabar de ter escrito centenas de livros. Rubens Francisco Lucchetti, ou R.F. Lucchetti (como ele costuma assinar) é um deles. Com cerca de 1.500 livros no currículo, muitos deles feitos por encomenda para complementar sua renda de aposentado na década de 80, Lucchetti é um dos mais prolíficos escritores do Brasil e, talvez, do mundo.
Apelidado de Papa da
Pulp Fiction, como são chamados os livros em papel barato
vendidos em bancas de jornal comuns até a década de 70,
Lucchetti publicou dezenas de romances e contos policiais, de
faroeste e de terror.
Entre seus trabalhos
estão Noite Diabólica, publicado em 1963, pela
Editora Outubro, e considerado o primeiro livro de terror brasileiro.
Outro livro, mais conhecido dos leitores com idade entre 20 e 40
anos, é O Fantasma do Tio William, publicado
originalmente como folhetim na década de 40, foi sua versão
reeditada em 1992, pela Coleção Vagalume da Editora
Ática, que ganhou os corações de milhares de
jovens.
Primeiro livro de terror do Brasil |
Foi através de O
Fantasma do Tio William que muitos de seus jovens fãs
conheceram o trabalho de Lucchetti. Mas esse paulista de 85 anos não
se destacou apenas nos livros. Para o cinema, escreveu roteiros para
filmes estrelados e dirigidos por José Mojica Marins, o Zé
do Caixão, como o Ritual dos Sádicos, também
chamado de O Despertar da Besta (1969) e O Estranho Mundo
de Zé do Caixão (1968).
Na década de 80,
escreveu os roteiros de O Segredo da Múmia (1982),
premiado com o Kikito do Festival de Gramado, As Sete Vampiras
(1986) e O Escorpião Escarlate (1990), todos com a
direção de Ivan Cardoso.
Agora, em uma nova fase da carreira, em que interage com mais de 2 mil fãs diariamente no Facebook, Lucchetti se prepara para lançar dois novos títulos, o terceiro volume da Coleção R.F. Lucchetti, O Abominável Dr. Zola, que está sendo reescrito a partir de uma antiga história, e o roteiro de O Escorpião Escarlate.
Foto do perfil do escritor no Facebook |
FT: O senhor já
conseguiu se manter com os direitos autorais de suas obras? Durante
sua carreira, o senhor teve vários empregos além de
escritor...
RFL: Comecei a escrever
profissionalmente em 1948. Até 1982, eu escrevia nas horas
vagas. Tinha meu emprego. Fiz as mais diversas coisas. Fui office
boy, almoxarife, comerciário, comerciante, gerente de cinema,
chefe de escritório, redator de uma revista de variedades,
editor. Quando me aposentei em 1983, passei a escrever uma série
de livros sob encomenda, para ajudar no orçamento doméstico,
já que o que ganho como aposentado não dá para
me sustentar. Nunca vivi de direitos autorais. O que se ganha é
muito pouco. Agora, com essa editora, a Corvo, é que tenho
ganhado mais com a venda de livros.
FT: O senhor trabalhou por muitos anos com o Zé do Caixão, inclusive escrevendo roteiros para seus filmes e programa de TV. O senhor ainda mantém contato com ele? Não há nenhuma ideia de trabalharem juntos em alguma coisa de novo?
RFL: Na verdade, trabalhei apenas três anos com o senhor Mojica. Foi de 1967 a 1969. Fui funcionário dele. Foi nesse período que criei, junto com o Nico Rosso, as revistas O Estranho Mundo de Zé do Caixão e Zé do Caixão no Reino do Terror. Foi também nessa época que escrevi os roteiros de todos os episódios dos programas Além, Muito Além do Além (da TV Bandeirantes) e O Estranho Mundo de Zé do Caixão. Escrevi também os roteiros das fitas O Estranho Mundo de Zé do Caixão, Ritual dos Sádicos e de todas as fitas que ele produziu na década de 1970. A partir de 1970, peguei outro rumo. E, quando poderíamos ter feito algo juntos, nos anos 1980, ele foi dirigir filmes pornográficos. Hoje, não há mais condições de fazermos mais nada juntos. Além do que, ele teve sérios problemas de saúde no ano passado. Digamos: Zé do Caixão é uma página virada na minha vida desde 1970.
Poster de O Despertar da Besta |
FT: O senhor lançou
um livro de contos ilustrado, Fantasmagorias, pela Editora Devaneios,
em 2013, depois de dez anos sem ser publicado. Como foi essa
experiência?
RFL: O maior tempo que
fiquei sem publicar algo foi entre Os Extraordinários (de
2003) e Fantasmagorias. Até Os Extraordinários, meus
livros eram esporadicamente publicados ou reeditados. O livro
Fantasmagorias (o título completo dele é Emir Ribeiro
Ilustra Fantasmagorias de R.F. Lucchetti) foi lançado em 2013
pela Editora Devaneio, do Rio de Janeiro. É um livro em que
textos e ilustrações se integram. Ele foi organizado
pelo meu filho, o Marco Aurélio, que selecionou os contos.
Demorou dez anos para ser publicado. São contos que foram
publicados em jornais e revistas. Mas todos foram reescritos. Nenhum
deles tinham saído em livros antes.
FT: Em seguida, veio a
coleção R.F. Lucchetti, da Editorial Corvo. Já
foram reeditados dois títulos. Podemos esperar algo inédito
em breve?
RFL: Devido a esse
livro [Fantasmagorias], o Grupo Editorial ACP me procurou. Criaram um
selo para publicar a Coleção R. F. Lucchetti, que será
composta de quinze livros. O primeiro deles, As Máscaras do
Pavor, foi uma co-edição da Devaneio e a Corvo. A
partir do segundo volume, serão publicados apenas pela Corvo.
Praticamente esses textos estão inéditos. Porque estão
sendo reescritos. Muita coisa está sendo modificada e
acrescentada. Capítulos inteiros que foram eliminados da
primeira edição. Muitos deles saíram pela
Cedibra - Companhia Editora Brasileira, do Rio de Janeiro, nos anos
1970, na coleção Trevo Negro.
Dois primeiros livros da Coleção R.F. Lucchetti |
FT: Como o senhor descreveria o atual momento da sua carreira?
RFL: Esse está
sendo o melhor momento da minha carreira como ficcionista. Porque,
finalmente, os livros estão sendo publicados da forma como
sempre os imaginei. Essa Coleção R. F. Lucchetti foi
por mim imaginada no final da década de 1940, mas só
agora uma editora aceitou publicá-la. E é uma das raras
vezes em que não estou sendo tapeado na questão de
direitos autorais. Porque sou eu mesmo que estou comercializando os
livros. Essa é uma experiência inédita para mim.
E meus livros estão chegando a todas as partes do Brasil e
inclusive ao Japão e a alguns países da Europa.
FT: E o que acha da interação
que o senhor tem com os fãs?
RFL: Essa interação
e diálogo com os fãs acho fundamental na vida de todo
aquele que escreve. E surpreendo-me com as mensagens de carinho que
recebo. Isso faz bem para o ego.
FT: O Fantasma do
Tio William foi lido por uma legião de crianças e
adolescentes. Que importância esse livro tem na sua carreira?
RFL: O Fantasma de Tio
William é um livro de que gosto muito.
FT: Em meio às centenas de obras de sua autoria, seria possível destacar alguma que seja sua favorita?
FT: Em meio às centenas de obras de sua autoria, seria possível destacar alguma que seja sua favorita?
RFL: Na literatura:
Música Secreta. É um livro de poemas em prosa. Em 1951,
imprimi por conta própria cem exemplares desse livro, que
distribuí para os amigos. Nos quadrinhos: As Histórias
do Vampiro Nosferatu, publicadas na revista A Cripta. Saíram
cinco números. Os desenhos foram feitos pelo Nico Rosso. No
cinema; O Segredo da Múmia, dirigido pelo Ivan Cardoso. Foi um
dos poucos filmes que obedeceram quase na íntegra o meu
roteiro.
FT: O senhor tem um
escritor/diretor de cinema de terror favorito?
Eu destacaria o
cineasta francês Jean Rollin [diretor de filmes como As
Uvas da Morte, de 1978, e O Lago dos Zumbis,
de 1981, morto em 2010] . Gostaria de tê-lo conhecido
pessoalmente. Ele faz um tipo de filme de horror/terror de que
aprecio muito. Gosto daquele clima e da ambientação de
seus filmes. Como eu, ele era um apreciador de ruínas,
cemitérios e lugar isolados e desertos.