Entrevista com Marcos DeBrito: diretor e roteirista de CONDADO MACABRO

Filme de terror nacional Condado Macabro estreia nos cinemas brasileiros em 12 de novembro


Um grupo de jovens aluga uma casa num local isolado para passar um feriadão regado a sexo e zoação. A festa é interrompida quando a casa é invadida por dois palhaços. Mas, tudo que é ruim, ainda pode piorar. Outros personagens macabros entram na trama e a carnificina começa.

Esse é o enredo de Condado Macabro, filme de terror independente nacional, que estreia nos cinemas brasileiros no dia 12 de novembro, depois de vencer o Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa), em maio deste ano, e que tem, em seu elenco, Leonardo Miggiorin, ator de séries e novelas da TV Globo

O filme foi escrito por Marcos DeBrito, catarinense de 36 anos, formado em cinema pela FAAP. DeBrito também assina a direção junto com André de Campos Mello.

Marcos DeBrito (divulgação)

DeBrito, revelação do cinema nacional, bateu um papo com o FICÇÃO TERROR e falou, entre outras coisas, sobre os desafios de fazer um filme de terror independente e de levá-lo para o circuito comercial cinematográfico.

Leia a entrevista:

FT: Marcos, como você foi parar no cinema?
MDB: É minha paixão desde moleque. Sempre fiz vídeos de ficção, mesmo quando criança, e quando descobri que existia faculdade de Cinema não tinha mais outro curso que eu pensava em fazer. Vim para São Paulo para estudar o mercado audiovisual, me formei e acabei fazendo carreira e família por aqui. Considero que estou no mercado desde 2001, quando meu primeiro curta finalizado em película ganhou um Kikito em Gramado.

FT: Pelo trailer, Condado Macabro parece ser um filme slasher, que me lembrou um pouco A Casa dos Mil Corpos, de Rob Zombie. Fale um pouco sobre a história do filme.
MDB: Acho ótimo que tenha reparado nisso porque muitas pessoas o comparam somente ao Massacre da Serra Elétrica (1974). Condado Macabro é um tributo ao terror. A Casa dos Mil Corpos (2003) é uma das referências estética do filme, tanto que, inclusive, ele é mencionado em uma das cenas que acabou ficando de fora da versão comercial. Mas ainda cito o Rejeitados pelo Diabo (2005), do mesmo diretor. Quem é fã do gênero, além desses três filmes, também irá identificar nossas homenagens ao Motel Hell (1980), Sexta-Feira 13 (1980) e Balada do Amor e do Ódio (2010). Resumidamente, é a velha história dos jovens que alugam uma casa no interior para passar um feriado e acabam se deparando com uma carnificina. Para sair do lugar comum, inserimos os palhaços de rua na história para dar o toque brasileiro e uma trama de suspense com reviravoltas que não são tão comuns ao gênero. Nós optamos por desenvolver os personagens, não só matá-los, rs.



 FT: O que o público pode esperar do filme?
MDB: Diversão e muito sangue. Yeah! No trailer abordamos mais as partes mais de terror, porém há muito humor na história. O projeto começou como uma diversão entre amigos de cinema que queriam fazer um filme. Como não tínhamos amarras de patrocinadores ou Leis de Incentivo, fizemos do jeito que ele foi imaginado, sem intromissões. Estamos felizes com o resultado e esperamos agradar a parcela interessada pelo terror. Quem for ao cinema pode esperar um filme diferente do que acham que irão assistir. Nós demos atenção ao roteiro, aos atores e aos efeitos digitais e de maquiagem. Quem gosta de cabeça explodindo, vai adorar! Haha.

FT: O filme é uma produção independente...
MDB: É uma produção independente, feita de forma colaborativa. Os profissionais do filme, tanto elenco quanto a equipe técnica, aceitaram fazer parte em troca de uma porcentagem da bilheteria. Então é uma coprodução entre todos. De outra maneira não seria possível realizá-lo. Felizmente, após concluída a filmagem, concorremos e vencemos o Proac [Programa de Fomento ao Cinema Paulista, da Secretaria de Cultura de São Paulo] de 2012 para finalização de longa-metragem, o que nos deu a verba necessária para terminarmos.


FT: Como foi fazer esse filme? Que desafios você encontrou?
MDB: Fácil não foi. Mas fazer cinema nunca é. Mesmo quando há verba é preciso muito planejamento para não terem erros. Como havíamos limitado nossa produção ao nosso orçamento, não enfrentamos dificuldades nesse quesito. No entanto, filmar no verão do Mato Grosso do Sul foi um desafio. E estávamos longe do eixo de produção, numa fazenda sem telefone ou internet, isolados entre florestas. Qualquer imprevisto precisava ser resolvido com o que tínhamos em mãos. Para dar conta de filmar tudo no prazo, eu e o André (de Campos Mello, co-diretor do filme) praticamente não dormíamos. Tivemos alguns turnos de 72 horas sem pregar o olho porque os núcleos de personagens tinham horários distintos para estarem em cena e nós precisávamos estar em todas. A única vez que dormi mais de duas horas foi quando o produtor cancelou as filmagens de um dia e exigiu (para minha saúde e a do filme) que eu fosse deitar no meio da tarde. Acho que foram umas seis horas de sono para depois começar tudo de novo.

FT: Qual foi o orçamento?
MDB: Para chegar em um número é preciso fazer uma conta. Nós filmamos com apenas R$ 20 mil. Esse foi o custo de levar os atores e equipe para o Mato Grosso do Sul e dar alimentação. Foram utilizados equipamentos da própria produtora ou de parcerias. Já na finalização, ganhamos R$ 290 mil do Governo do Estado de São Paulo. Agora para o lançamento, estimamos que iremos gastar quase R$ 200 mil. Costumamos falar que o filme custou então "meio milhão" pra estar pronto e nos cinemas do Brasil.


FT: Como foi a escolha dos atores, da locação?
MDB: Para a escolha do elenco, escrevi os personagens já com os atores em mente, salvo um ou outro. Eu já havia trabalhado com alguns deles ou era amigo de outros por causa dos festivais de cinema que participei com meus curtas. Para o personagem do Jonas, nosso matador, conversei com um primo meu (Beto Brito) que não era ator porque o papel dele era muito físico. Envolvia entrar em um chiqueiro para lutar com um javali e fazer outras coisas que talvez um ator profissional não se sentisse confortável fazendo. Ele deu conta do recado e é um dos nossos personagens mais fortes visualmente. Quanto à locação, também foi pensada com base no orçamento. Escrevi o roteiro com a fazenda da família em mente para que não tivéssemos que correr atrás de outros locais. Eu tinha a locação, elenco e equipe. Só precisava escrever uma história que contemplasse os três para funcionar.

FT: Condado Macabro foi primeiro lançado em festivais, inclusive conquistando o prêmio de melhor filme do Festival Internacional de Cinema de Porto Alegre (Fantaspoa) neste ano. Como foi essa trajetória e como vocês conseguiram chegar ao circuito dos cinemas, um grande feito para um filme de terror nacional?
MDB: O prêmio no Fantaspoa, nossa estreia mundial, foi inesperado. Depois de todas as dificuldades que tivemos, isso veio para coroar nosso esforço. Ainda estamos participando de festivais. Já fomos exibidos no México, Holanda e, em novembro, teremos Espanha e Colômbia. Realmente ter um filme de terror nacional independente nas salas de cinema é um feito não muito comum. A produção de gênero no país está em seu ápice, mas muitos filmes serão vistos apenas em festivais, infelizmente. Acredito que que nosso diferencial para ter conseguido o interesse de uma distribuidora foi não termos feito um filme autoral. O terror sendo produzido por aqui costuma ser mais carregado, abordando tema existencial, psicológico, ou preocupado apenas em botar medo, morte e sangue. Eu, particularmente, até prefiro filmes assim. Mas para que o público brasileiro comece a ter interesse pelo gênero feito por aqui, temos que ir ao encontro do que estão mais acostumados. Nosso filme tem humor e dilemas adolescentes no meio da carnificina. Conseguimos encontrar um equilíbrio para que o filme não ficasse muito pesado. Apesar de tudo, ganhamos classificação 18 anos. Então pode ser só eu que acho o Condado um filme mais leve, rs.


FT: Além de cineasta, você também é escritor, tendo lançado o livro À Sombra da Lua, em 2013, pela Editora Rocco. Fale um pouco sobre o livro e sua trajetória até ser publicado por uma grande editora.
MDB: Foi outra surpresa. Eu havia escrito o À Sombra da Lua como roteiro para cinema, com o título Vila Socorro. Quando começamos o projeto, vimos que era um filme de milhões para ser realizado, então colocamos na gaveta por um tempo. Mas como eu gostava muito da história, resolvi adaptar como romance e enviar às editoras. A Rocco foi a primeira a responder. Outras também aceitaram, mas eu dei preferência a eles por gostar das publicações e poder dividir prateleiras com a Anne Rice, J.K. Rowling, Guillermo del Toro, entre outros. Ele foi indicado ao Prêmio Jabuti como Melhor Romance do ano. Não foi um dos finalistas, mas o reconhecimento da editora já me bastou. O livro também é de terror, mas um terror clássico inspirado no ultra-romantismo, e nele abordo a licantropia com base em mitologia e textos apócrifos da Bíblia. Atualmente estou desenvolvendo a continuação, que abordará o vampirismo de origem búlgara. É bom mencionar também que o Condado Macabro será lançado como romance na semana seguinte da estreia pela editora Simonsen. Após terem assistido, fui procurado pelo dono da editora que me perguntou se eu não gostaria de adaptá-lo. Como sou escritor, além de cineasta, não neguei. O livro já está nas últimas revisões. Meu próximo projeto a ser publicado está em busca de uma casa editorial. Chama-se O Escravo de Capela, outro terror clássico que reconstrói a lenda do Saci de forma mais visceral em meados do século XVIII. Espero que esteja nas prateleiras ano que vem.



FT: Para encerrar a nossa entrevista, quem são suas principais referências no cinema e na literatura?
MDB: Creio que no cinema eu tenha as mesmas referências de grande parte dos cineastas. Nomes como David Lynch, Quentin Tarantino, Christopher Nolan, Scorcese, Coppola, Darren Aronofsky, Lars von Trier não podem faltar. Durante meus anos de faculdade, o formalista russo Dziga Vertov foi uma da minhas principais influências nos curtas, ao lado do austríaco Fritz Lang. Também curto Gaspar Noe, principalmente o Enter The Void (2010), que, pra mim, é um dos filmes mais espetaculares de toda a cinematografia mundial. Na literatura é mais bem definida minha influência. Meu livro de cabeceira é o Macário, do Álvares de Azevedo. E sou apegado a tudo do Edgar Allan Poe, em especial, o conto The Raven (O Corvo).