CARNÍVORA, de Péricles Júnior - Resenha de HQ

Vou confessar que não sou fã de histórias em quadrinhos. O máximo de cultura HQ que eu tenho é graças à Turma da Mônica que li na minha infância. Um exemplar de Carnívora, publicação independente do carioca Péricles Júnior, chegou até minhas mãos através de um amigo que me emprestou, dizendo que a obra tinha muita qualidade.

E não vou negar. Mesmo sendo um leigo em HQs, fiquei surpreso com a qualidade da publicação. Publicada em formato de livro, a história em quadrinhos (publicada com a ajuda do site de financiamento coletivo Catarse, onde Péricles angariou R$ 26 mil) é toda bem acabada.

Em relação ao trabalho em si, Péricles é não só um bom desenhista, como um excelente roteirista. O argumento de Carnívora é bem interessante e original. Trata-se de uma história de terror passada em uma favela fictícia do Rio de Janeiro, chamada de Complexo do Caveira.

Seria apenas uma favela normal, dominada por traficantes e assolada por operações policiais irresponsáveis, se não fosse por um detalhe macabro: o topo da favela é habitado por crianças monstruosas canibais. Ninguém mais mora na parte alta da favela e quem vai até lá, não volta mais para contar o que viu.



O protagonista da história é um policial civil que quer saber o paradeiro de sua namorada, supostamente sequestrada pelo chefe do tráfico de drogas do Complexo da Caveira.

Mas não é apenas uma história de terror. Há uma questão sociológica que jaz por trás de Carnívora. A inócua guerra ao tráfico e ao jogo ilegal traz vítimas inocentes (muitas delas crianças) e a corrupção até aos mais altos níveis do governo.

Carnívora é uma metáfora dessas guerras insanas que, alimentadas por uma sociedade conservadora (que não suporta ver alguém se drogando ou apostando em jogos) e perpetradas por políticos e policiais, devoram a carne dos moradores das áreas mais pobres do Rio de Janeiro e dos policiais que participam desse jogo insano.

O final também é interessante e, de certa forma, surpreendente.

Só tenho duas ressalvas. A primeira é que, por vezes, fiquei meio perdido no meio da história, provavelmente porque não estou acostumado com a linguagem das HQs.

A segunda é que o protagonista é um policial muito preocupado com o bem estar dos moradores. Isso não é muito real. Em um momento, ele protege uma criança que corre no meio do tiroteio (um policial regular do Rio de Janeiro certamente atiraria achando que era um criminoso) e, em outro momento, ele diz: "Droga, se eu atirar daqui posso acertar alguém" (que policial diria isso no meio de um tiroteio). Enfim, é apenas uma percepção minha, de alguém que já cobre a área policial há algum tempo e encara tudo de forma muito cínica

Mas, fora isso, Carnívora é muito bem feita e a história é dez!